cego

ele era tão insensível
mas tão insensível
que não conseguia
perceber um palmo
diante dos seus privilégio

colheita

Semear amor
Enquanto chove ódio
É tarefa árdua
Mas é importante saber
Que o tempo da colheita
Sempre vem

palavras gastas

as palavras estão ficando gastas
andamos gastamos muitas palavras

nas redes sociais
gastamos muitas palavras

escrever muito
gasta as palavras

revolução é uma palavra gasta
amor livre são duas palavras gastas

viver muito
fortifica as palavras

é preciso viver muito
escrever menos

A bola e o coração

Em uma cidade em guerra
o chute ao gol daquela criança
nunca se converteu em comemoração
pois a bala do fuzil furou a bola e o coração

A bola que não cruzou
a linha imaginária que dividia
o campo e o gol
nunca mais rolou

O coração que cruzou
a linha real que dividia
a vida e a morte
se calou para sempre

Como permanece em silêncio a maioria
que não se importa com o massacre
que cala tantos corações
todos eles
tão negros, tão pobres, tão jovens

insone

A insônia
te leva
te traz
te leva e
te traz
de volta
até despertar
sentimentos
que até o coração
já havia esquecido

A morte

Então o fim derradeiro chegou
E eu percebi
O final
Não nos leva muito
Só nos tira a presença física
Todo resto fica ali guardado
Em algum canto dentro de nós

Negação

Te negaram a África
Te negaram a liberdade
Te negaram a terra
Te negaram a igualdade
Te negaram a família
Te negaram a paz
Te negaram as universidades
Te negaram a cultura
Te negaram o lazer
Te negaram o emprego
Te negaram a comida
Agora
Te negam também a praia
Pois te julgam bandido
Bandido
Eles afirmam
Enquanto matam teus jovens
Nas vielas de um país
Que se nega racista

aos que querem a ditadura

Eles tem saudade
saudade
do tempo da ditadura
do tempo da escravatura
do tempo em que as mulheres não era feministas
do tempo em que só havia ricos nos aeroportos
do tempo em que gays não "saiam do armário"
do tempo em que o Brasil era um estado teocrático
do tempo em que as universidades eram só para os
brancos e ricos
do tempo em que empregadas domésticas
não tinham direitos
Lutamos para que em um breve futuro
Suas saudades sejam ainda maiores
E seus privilégios cada vez menores

sorriso

de repente percebi
que eu nem sei mais como devo andar
por esse amor ser leve demais
acabei me acostumando a voar
e foi lá no alto
que beijei seu sorriso pela primeira vez

Não dói

O amor nunca me doeu
A solidão
O ciúme
A posse
Os erros
Os desencontros
Tudo isso doeu muito
O amor não
O amor me libertou

A foto

Sempre
Que olho aquela foto
Me vem a sensação
De que o amor durará
Pra sempre

Mesmo se os corpos
Um dia se virem distantes
O amor ainda estará ali
Como um beija flor
Que flutua livre pelo ar

Passarinho

Amo sim seu moço
Amo muito
Não seu moço
Quando amo não prendo
Prendo não
Entenda seu moço
Passarinho preso
Não ama
Chora

Passado

O passado foi
Não é 
Mas permanece
Sou eu
Cheiros
Gostos
Beijos
Lágrimas
Tudo me construiu
Tudo continua sendo meu
Não deixo que me tomem
Esse passado é meu
Não adianta
É meu
Sou eu

Cadin

Pode ir-se embora
Viu moça
Mas volte por aqui
Travez e asvez
Pra mó de me
Amar mais um cadin

...

A vida da gente é assim
 Ama e desama
 Pra depois perceber
 Que nunca deixou de amar

Somos ou não

Não somos demônios

Não somos santos

Somos seres humanos

Não cabemos nessa dicotomia

Seu maniqueísmo não nos explica

Sua visão não nos alcança

Incompletos

Imperfeitos

Diversos

Plurais

Somos ou não somos

Vivemos

Sobrevivemos

Imperatriz

Recebeu nome de rainha
Mas a vida lhe fez guerreira
Lutou, lutou e lutou
Me criou, me amou, se dedicou
Se apaixonou, sorriu, sonhou

Os tombos da vida foram muitos
Mas nem um foi capaz de pará-la
Mostrando para um sociedade dura
Que mais dura ela é

Feita de carne e osso
Mas bem que poderia ser feita de ferro
Forjada na coragem
Um lutadora


Diante dos problemas
Sempre se manteve de pé
Aceitando a sina
Que foi lhe dado por dona Ergina
Ao te fazer desde pequenina
Rainha
Imperatriz
Mulher

Nosso carnaval

Ah, moça
A gente bem que podia
Se casar todo dia
Pra todo dia
Ser carnaval
E todo dia
Tu dizer que me ama
Dançar coladinho
E gargalhar de alegria
Na mesa de fotografias
Do nosso carnaval

Ah, moça
A gente bem que podia
Se casar todo dia
Pra todo dia
Ser carnaval
E todo dia
Termos amigos reunidos
Com samba e cerveja
E dezenas de copos
Espalhados pelo chão
No nosso carnaval

Ah, moça
Todo dia
A gente se casa
Porque desde que temos casa
Todo dia
É carnaval

Conservadores

Conserva
Preconceitos
Conserva 
Ódios
Conserva
Opressões
Conserva
Descriminações
Conserva
Dores
Conservadores

Centenas

Não
não era um só
Ali dentro 
havia uma guerra
Centenas deles
brigando por espaço
Querendo ser
tentando viver

...

Negavam-lhes 
o direito de ser uma família
Como se esse direito
pudesse ser negado